Josivaldo de França Pereira
Versões da Bíblia:
Quase todas as versões da Bíblia em
português traduzem Gênesis 3.16 igual ou parecido à Almeida Revista e
Atualizada. São traduções praticamente literais do hebraico. A versão da King
James Atualizada é mais interpretativa.
Interpretações:
A cláusula “... o teu desejo será...” é
a tradução de uma única palavra hebraica: teshûqãtekh (de teshûqãh, desejo). Em Gênesis 3.16
o vocábulo “desejo" tem recebido, em especial, três interpretações
distintas:
Interpretação
1: desejo sexual
Jarchi pensava que o teu desejo em Gênesis 3.16 sugere somente o desejo sexual da mulher, e isso visto como parte da
exploração dela. Ele e outros comentaristas bíblicos discutem acerca do fato de
que o autor sacro indicava desse modo que as relações sexuais entre homem e
mulher são o ponto focal do domínio de exploração que o homem exerce sobre a mulher.
Adam Clarke oferece um curioso significado ao termo “desejo”. Ele supunha que
seria o desejo sexual, e que a mulher cai na armadilha do sexo, ou seja, por mais que ela tente, não é capaz de
escapar às dores do parto. Ela desejará o
sexo, mas sofrerá na hora do parto. Nesse caso, o desejo seria o apetite
sexual. Ellicott, por sua vez, compreende que o desejo refere-se a um “anseio
natural pelo casamento”. Sem importar as dores que lhe traga, ainda assim a
mulher deseja muito esse estado.[1]
Interpretação
2: desejo não-sexual
Wayne Grudem, seguindo o pensamento de Susan T. Foh, diz que ela argumentou com eficácia que a palavra traduzida por “desejo” significa “desejo de conquistar”, e aponta que Eva teria o desejo ilegítimo de usurpar a autoridade do marido. Se essa interpretação da palavra “desejo” está correta, como parece estar segundo Grudem, então indicaria que Deus introduz um conflito no relacionamento entre Adão e Eva, e o desejo de Eva de rebelar-se contra a autoridade de Adão.[2] Grudem procura justificar seu ponto de vista dizendo que o paralelismo no texto hebraico entre Gênesis 3.16 e 4.7 é bastante notável: seis das palavras (contando conjunções e preposições) são exatamente as mesmas, e estão na mesma ordem.[3]
Interpretação
3: desejo sexual e outros
Champlin entende Gênesis 3.16 não
somente como o desejo sexual da mulher, mas toda a sua vontade, prazer e
desejos, que ficariam sujeitos ao veto ou aprovação de seu marido. A afirmação
destaca a dependência da mulher ao
seu marido. Na antiguidade, essa supremacia do homem era exercida mediante um
tratamento extremamente arbitrário e, com frequência, isso continua até os
tempos modernos. Mui significativamente, o autor do livro de Gênesis faz essa
condição aparecer como um resultado da queda no pecado. Presumivelmente, antes
disso, a mulher era uma auxiliadora
(Gn 2.18), o que envolvia sujeição, mas não aviltamento. Todo domínio e
ditadura que uma pessoa possa manter sobre outra deve ser tida como parte da
desordem reinante e resultante do pecado.[4]
Concluindo:
Se tivesse de escolher entre uma ou mais interpretações de “desejo” em Gênesis 3.16, eu ficaria com a de número 1 ou 3, isto é, desejo sexual somente, como propõe Jarchi, ou sexual e outros desejos, como sugere Champlin. Tenho dificuldade com a interpretação de Grudem por excluir o desejo sexual. Em suas notas ele conclui: “É improvável que a palavra signifique “desejo sexual”, pois esse não começou com a queda, nem faria parte da maldição divina”.[5] Mas, conforme ele mesmo afirma, após a queda Deus introduziu o conflito e a dor no relacionamento anteriormente harmonioso entre Adão e Eva. Quanto ao paralelismo de Gênesis 3.16 e 4.7, os contextos são diferentes. Os elementos envolvidos são outros.
[1] Citação de autores por Russell N.
Champlin, O Antigo Testamento
Interpretado Versículo por Versículo. Vol. 1. 2ª ed. São Paulo: Hagnos,
2001, p. 36.
[2] Wayne Grudem, Teologia
Sistemática. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 381. Destaque do autor.
Essa interpretação segue a versão King
James Atualizada. Na mesma linha de entendimento estão Bruce K. Waltke e
Cathi J. Fredericks, Comentários do
Antigo Testamento: Gênesis. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 112.
[3] Grudem, p. 386 nota 20.
[4] Champlin, p. 36. Destaques do autor.
[5] Grudem, p. 386 nota 20.