Josivaldo de França Pereira
O presente
estudo é uma tentativa de se mostrar que os Salmos têm muito mais a oferecer
que o uso litúrgico em nossas igrejas. Existe uma perspectiva missionária neles
que muitas vezes passa despercebida por nós. Convido você a repensar o livro
dos Salmos e resgatar um de seus enfoques originais que era cantar louvores a
Deus com todos os povos.
I - TÍTULO E DIVISÕES DO LIVRO DOS
SALMOS
1.1. O título do livro dos Salmos
O título
original do livro dos Salmos é tehllim (louvores). A palavra
portuguesa "salmos" deriva-se da LXX pela tradução do termo hebraico mismor,
que significa "cântico acompanhado de instrumentos musicais". Outra
palavra correlata é o verbo zamar_ (cantar,
cantar louvores, fazer música). Ocorre apenas no piel, grau que expressa ação
ativa intensiva no hebraico. Zamar_é cognato
de zammeru "cantar", "tocar um instrumento". É usado
apenas em poesia, quase exclusivamente nos Salmos. Termos como maskil_são
desconhecidos.
1.2. As divisões do livro dos Salmos
O livro
dos Salmos compreende 150 cânticos divididos em cinco livros - Salmos 1-41,
42-72, 73-89, 90-106 e 107-150 - cada um terminando numa doxologia especial,
sendo o Salmo 150 uma doxologia do saltério todo. Como livro de louvores, os Salmos
são caracterizados por seu testemunho devocional, composto à luz das atividades
salvíficas de Deus em
Israel. Enquanto nos outros livros da Bíblia geralmente é
Deus quem fala às pessoas, indo ao encontro delas, nos salmos Deus
"não" fala; as pessoas vão ao encontro dele, com reverência mas com
muita espontaneidade. As experiências sentidas nos salmos transcendem as
divisas do tempo, cultura e nacionalidade. Nós nos identificamos com as
experiências dos salmistas e com eles compartilhamos nossas alegrias e
tristezas na presença do Senhor.
II - ORIGEM E AUTORIA DOS SALMOS
2.1. A origem dos Salmos
Alguns
estudiosos, como Georg Fohrer, afirmam que a maioria dos Salmos foi redigida no
período pós-exílico.
Contudo, tanto a evidência arqueológica recente quanto a comparação literária apontam
para uma datação do período de Davi e Salomão. Segundo Laird Harris,
Não parece existir prova
positiva contra o ponto de vista tradicional de que a maior parte dos salmos
foi escrita em torno do ano 1000
a.C., como afirmam as inscrições. As novas provas
derivadas dos pergaminhos do mar Morto descartam a idéia de que a escritura de
alguns salmos se estendeu até ao segundo século antes de Cristo, conforme o
sustentaram alguns exegetas no passado (Bíblia de Estudo Vida, 1984, p.
638).
Carriker complementa
dizendo que alguns Salmos (como o Salmo 48) podem ter tido origem no inicio da
monarquia, e outros, no período do exílio (como o Salmo 137). Alguns podem ser
mais recentes ainda (Salmos 105, 106 e 136), e outros podem ter origens mais
antigas que o tempo de Israel, provindo de fontes pagãs.
E ainda:
Israel utilizou a mesma
forma poética das culturas vizinhas, isto é, o estilo, a estrutura, a rima e,
freqüentemente, até mesmo as mesmas figuras de linguagem a fim de efetuar uma
comunicação familiar e compreensível ao nível popular. Todavia, rejeitou
qualquer material que não coadunava com a fé em Iahweh, e modificou outros
materiais para exprimir as verdades de sua fé (CARRIKER,
1992, pp. 113, 14).
2.2. A autoria dos Salmos
O livro
dos Salmos é, provavelmente, o livro da Bíblia com o maior número de autores.
Davi. Setenta e três Salmos, quase metade
do saltério, contém a expressão hebraica le Davi - "De
Davi". Embora a preposição le_tenha uma
variedade de significados ("ao" ou "para o" mestre de
canto), pouca dúvida pode haver de que nesse contexto, e em contextos análogos,
tenha le o sentido do genitivo de autoria – “De”. Isso está
claro no título mais amplo do Salmo 18. O Antigo Testamento conserva outras
poesias de Davi (2Sm 1.17-27; 23.1-7), o reconhece como o "mavioso
salmista de Israel" (2Sm 23.1) e como inventor de instrumentos musicais
(Am 6.5). O Novo Testamento também reconhece o Davi histórico cujo "túmulo
permanece entre nós até hoje" (At 2.29), conforme declaração de Pedro no
dia de Pentecostes.
Salomão. O rei Salomão, e filho de Davi, é o
autor dos Salmos 72 e 127.
Os filhos de Coré. Doze Salmos
(42-49, 84 e 85, 87 e 88) são atribuídos a essa família levita, descendentes do
líder rebelde com este nome, cujos filhos - para maior proveito nosso - foram
poupados quando ele morreu por sua rebeldia (Nm 26.10,11). Uma parte da família
tornou-se porteiros e guardas do templo (1Cr 9.17ss.; cf. Sl 84.10); outra
parte, cantores e músicos do coro do templo fundado por Hemã no reinado de
Davi. Os levitas companheiros de Hemã, Asafe e Jedutum (ou Etã), dirigiam os
corais tirados de dois outros clãs da tribo de Levi (1Cr 6.31,33,39,44).
Asafe. Autor de doze Salmos (50,73-83).
Asafe era descendente de Gérson, filho de Levi (1Cr 6.39); nomeado pelos
principais levitas como líder de música, quando a arca foi transportada para
Jerusalém (1Cr 15.17,19). Davi o tornou líder da adoração cantada em coral (1Cr
16.4,5).
Hemã. Salmo 88. Hemã foi o fundador do
coral conhecido como "os filhos de Coré". Era famoso pela sua
sabedoria (1Rs 4.31).
Etã. Salmo 89. Provavelmente é o mesmo
Jedutum (Sl 39, 62, 77) que fundou um dos três corais de Israel (cf. 1Cr 15.19;
2Cr 5.12).
Moisés. Salmo 90.
A LXX
ainda atribui a Ageu e Zacarias a autoria de cinco Salmos.
Contudo, uma boa parte dos Salmos é de autoria
desconhecida.
III - A MISSIOLOGIA DOS SALMOS
Carriker observa:
Quando lembramos que, como
poesia, oração e hinos, os salmos possuem uma qualidade altamente emotiva,
então reparamos especialmente os temas relacionados â esperança humana. Embora
estes não esgotem os temas que os salmos elaboram, são especialmente
significantes do ponto de vista missiológico (Missão Integral, 1992, p.
114).
3.1. Os principais temas dos Salmos
Há três
temas principais nos Salmos. Em primeiro lugar, um encontro pessoal com Deus
envolvendo o princípio da sua existência real. Em segundo lugar, a importância
da ordem natural das coisas, envolvendo o princípio do poder criador, universal
e sábio de Deus. Em terceiro lugar, um conhecimento consciente da história,
envolvendo o princípio da escolha de Israel para desempenhar um papel especial
e benevolente entre os povos.
Nos Salmos
(por exemplo, Sl 22.28; 24.1; 33.8; 47.8; 48.10; 66.7; 67; 87; 93-100; 117)
está claro que o trato de Deus com Israel está relacionado diretamente com
todos os povos. Num Salmo das nações como o 67, por exemplo, essa afirmação
salta aos olhos. Israel cantava e orava: "Seja Deus gracioso para conosco
e nos abençoe, e faça resplandecer sobre nós o seu rosto, para que se conheça
na terra o teu caminho; em todas as nações a tua salvação" (Sl 67.1,2). A
conclusão é ainda mais gloriosa: "Abençoe-nos Deus, e todos os confins da
terra o temerão" (v.7). A bênção de Deus para o povo de Israel era com
propósitos missionários. Os mesmos propósitos missionários de Deus para Israel
podem ser claramente vistos no Salmo 117 e nos Salmos que mencionamos acima.
As nações
foram criadas por Deus (Sl 86.9) e convidadas, mediante Israel, a louvar o Deus
de toda terra. Israel pecou em não cumprir a contento a sua missão. Entretanto,
Davi, por exemplo, tinha uma concepção profunda de missões. Ele compreendeu o
propósito missionário de Deus para os povos quando enfrentou Golias. Disse ele:
"Hoje mesmo o Senhor te entregará na minha mão; ferir-te-ei, tirar-te-ei a
cabeça e os cadáveres do arraial dos filisteus darei hoje mesmo às aves dos
céus e às bestas-feras da terra; e toda terra saberá que há Deus em
Israel" (1Sm 17.46). Essa consciência missionária de Davi marcou significativamente
alguns de seus Salmos (Sl 66.1,4,7,8; 72.11,17; 86.9; 96.3; 98.2,4; 117.1),
como os de outros salmistas também.
3.2. O conteúdo e as implicações
missionárias dos Salmos
Como
poesia, oração e hinos, os Salmos são especialmente significantes do ponto de
vista missiológico. A esperança religiosa é uma categoria escatológica e,
consequentemente, os temas que eles (os Salmos) contêm exprimem uma esperança
escatológica e, por isso, são orientados em grande parte para o futuro. Estes
temas são: a glória de Deus, o domínio universal de Deus, a esperança
messiânica, juízo e misericórdia.
Carriker,
comentando acerca de seu estudo das implicações missiológicas dos Salmos,
observa:
É mister lembrar que as
implicações missiológicas elaboradas através do nosso estudo são meramente
sugestivas e representativas e de maneira alguma pretendem ser compreensivas e
exaustivas. Uma teologia de missão, inclusive uma teologia bíblica de missão,
jamais é definitiva pois, enquanto o povo de Deus permanece com uma missão, uma
tarefa de testemunho ao mundo, sempre e em todo lugar terá que repensar,
atualizar e contextualizar a sua fé em novas situações e para novos desafios.
Não é que a fé em si mude, mas a expressão adequada e efetiva dela (Missão
Integral, 1992, p. 117).[5]
IV - RELEVÂNCIA PARA O NOSSO POVO
A
importância de um estudo missiológico dos Salmos para o povo brasileiro
consiste em sua mensagem de salvação e esperança, conforme exemplificamos
acima. As pessoas sem Cristo vivem ou na apatia mórbida da desesperança ou no
desespero insuportável que leva ao caos e até mesmo ao suicídio. A pregação dos
Salmos deve ter em vista o contexto social do povo brasileiro, a fim de
oferecer a ele a redenção do Messias salvador.
Estudar o
livro dos Salmos missiologicamente é antes de tudo uma questão de
justiça para com a igreja, a sociedade e ao próprio livro dos Salmos. Na
missiologia dos Salmos precisamos compartilhar da esperança em Cristo e da
companhia inspiradora do Deus que pode suprir todas as nossas necessidades (Sl
116.8).
Cantemos
os nossos belos Salmos, aprendamos a orar com os salmistas, mas, principalmente,
façamos de sua mensagem de salvação e esperança a razão de ser de nossa
existência no mundo.
Maskil
aparece em 57 salmos, normalmente em conexão com um nome ou título.
Citado por Timóteo CARRIKER, Missão
Integral: Uma Teologia Bíblica. São Paulo: Sepal, 1992, p. 111.
Para uma exposição interessante sobre
cada um desses temas veja CARRIKER, op. cit., p. 114-117. E para um estudo
exegético nos Salmos messiânicos veja Gerard Van GRONINGEN, Revelação
Messiânica no Velho Testamento. Campinas: LPC, 1995, p. 284-367.
Um estudo sobre os vários princípios
missiológicos para a comunicação efetiva da fé nos Escritos em geral, e nos
Salmos em particular, pode ser encontrado em CARRIKER, op. cit., p. 118-128.