Josivaldo de França Pereira
No sistema presbiteriano a soberania de Deus é a ideia ou verdade
fundamental do nosso calvinismo. Em torno dela giram todas as outras. A soberania é um atributo comunicável de
Deus, ou seja, ele concedeu a dádiva dessa graça também aos seres humanos; no
entanto, somente Deus é soberano na essência do seu Ser.
A soberania de Deus pode ser definida como o exercício de sua supremacia.
Sendo Deus infinitamente elevado acima da mais elevada criatura, ele é o
Altíssimo, o Senhor dos céus e da terra. Não sujeito a ninguém, não
influenciado por nada, absolutamente independente. Deus age como lhe apraz,
somente como lhe apraz, sempre como lhe apraz. Ninguém consegue frustrá-lo nem
impedi-lo.[1]
Um dos melhores livros sobre o tema da soberania de Deus, em língua portuguesa,
é “Deus é Soberano” de Arthur Pink. Nesse livro, uma das teses do autor é a
necessidade de se proclamar vigorosamente que Deus continua vivo, que Deus
continua observando, que Deus continua reinando.[2]
Será que o cessacionismo teológico, à luz da soberania de Deus, subsiste?
Os cessacionistas, como o próprio nome diz, afirmam que os dons
espirituais descritos por Paulo – especialmente os de 1Coríntios 12 e 14 – terminaram,
ficando restritos à era apostólica. Esse posicionamento é, geralmente,
defendido pelas chamadas igrejas históricas. Contudo, ele não encontra guarida
em todos os seus líderes. O próprio Ashbel Green Simonton, pai do
presbiterianismo no Brasil, disse em seu Diário :
“Mais do que qualquer coisa, preciso do batismo do Espírito Santo”.[3]
Algumas questões relevantes são destacadas, como por exemplo: Se Deus é
soberano – conforme dizem corretamente as igrejas históricas de origem
reformada e calvinista – como podemos afirmar categoricamente que dons
cessaram? Considerando que os dons espirituais foram necessários para a
realização da obra evangelística e missionária da igreja apostólica, não estaríamos
nós em defasagem, de acordo com o entendimento cessacionista? Se o Deus do Antigo
Testamento é o mesmo do Novo e também dos nossos dias, como posso eu afirmar,
em sã consciência, que Deus não fará mais hoje o que fez no passado? Se Deus é
o mesmo de sempre no tratamento do pecado, por que não o seria na edificação de
sua igreja com os dons que “cessaram”?
Estou ciente que as pragas do Egito não se repetirão; que o Mar Vermelho
não se abrirá novamente; que as águas do Jordão não se dividirão outra vez,
etc. Mas eu creio num Deus de milagres para hoje sim. Creio piamente que a frieza
espiritual que assola as nossas igrejas só vai acabar com uma ação poderosa e
sobrenatural do Espírito Santo em nossas vidas, em nome de Jesus!
Alguns cessacionistas se autodenominam “calvinistas consistentes”,
enquanto que os demais são rotulados de “calvinistas pontuais”, por não
concordarem com João Calvino nesta matéria. O mais interessante é que eles são
“consistentes” somente na questão dos dons espirituais. “Calvinista
consistente” é uma expressão presunçosa e arrogante, pois os mesmos não são consistentes
com Calvino em relação à doutrina da predestinação, ao modo de batismo, etc.
Nós, presbiterianos, rebatizamos quem vem da igreja católica, Calvino
achava o rebatismo, mesmo de quem viesse da igreja romana, inadmissível. Ele entendia que o batismo feito em nome do
Pai, Filho e Espírito Santo é válido, independente de quem o ministrou.[4]
Nós batizamos somente por aspersão. Para Calvino a forma ou modo de batismo é
indiferente.[5] Na
doutrina da predestinação Calvino era supralapsariano, nós somos infralapsarianos.[6]
Por ser Deus soberano ele não pode estar confinado a ideias e conceitos,
sistemas doutrinários e teológicos, e nem mesmo à Bíblia. O que a Bíblia nos
diz sobre Deus é um resumo de sua grandeza de maneira que nos seja
compreensível. Não estou dizendo que a Bíblia seja limitada ou insuficiente.
Não! O que Deus nos quis revelar e nos revela, a Bíblia ensina. Na verdade, é a
própria Palavra de Deus que nos afirma que há coisas da soberania de Deus que
estão além do nosso entendimento. Deuteronômio 29.29 fala de coisas encobertas
que “pertencem ao SENHOR”.
O Senhor Jesus disse a Nicodemos: “Se, tratando de cousas terrenas, não me
credes, como crereis, se vos falar das celestiais?” (Jo 3.12). Paulo faz menção
do que “em espírito fala mistérios” (1Co 14.2).
É verdade que em 1Coríntios 13.8 o apóstolo declara, por exemplo, que as
profecias, línguas e ciência desaparecerão, mas ele não revela quando isso
acontecerá.[7] Calvinistas
mais radicais dizem que Paulo se refere ao fechamento do cânon sagrado, tendo
como parâmetro 1Coríntios 13.10, porém, esse pensamento é frágil, posto que não
há fundamento bíblico para tal afirmação.
Penso que, com base na doutrina da soberania de Deus, os cessacionistas
deviam rever seus conceitos, segundo a Bíblia, segundo os relatos da História.
[1] Cf. A. W. Pink, Os
Atributos de Deus. São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1990,
p. 31,32.
[2] Pink, Deus é
Soberano. 3ª ed. São José dos campos: Fiel, 1990 (o livro todo).
[3] Ashbel G. Simonton. Diário: 1852-1867. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1982, p.
167,68.
[4] Institutas. IV. xv. 16.
[5] Institutas.
IV. xv.19.
[6] Cf. Louis Berkhof, Teologia Sistemática. 7ª ed. espanhola. Grand Rapids: T.E.L.L.,
1987, p. 139.
[7] Simon Kistemaker, Comentário
do Novo Testamento: 1Coríntios. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 652.