Josivaldo de França Pereira
Nadabe e Abiú são os nomes dos dois filhos mais velhos de Arão (cf. Nm
3.2). Ambos estiveram presentes, juntamente com a comitiva de setenta anciãos
que subiram ao Senhor, no monte Sinai, e “viram” Deus em sua glória (Êx 24.1,9).
Posteriormente foram ordenados sacerdotes (Êx 28.1) e, apesar de contemplarem o
Senhor no Sinai, ainda assim transgrediram contra a lei ritual de Deus (cf. Êx
30.9) quando ofereceram fogo estranho perante a face do Senhor, razão pela qual
foram mortos pelo fogo santo de Deus (Lv 10.1-8; cf. Nm 26.61).
Segundo T. H. Jones, fogo estranho “pode
significar ou fogo ou incenso aceso noutro lugar que não sobre o altar (Lv
16.12), ou então incenso oferecido em ocasião errada (‘o que não lhes
ordenara’)”.[1]
Jones sugere ainda que Levítico 10.8,9 indique a possibilidade de que a
bebedeira tenha sido um elemento nesse pecado.[2]
Davis complementa: “Tendo sido vedado a Arão o uso de vinho, quando entrasse no
tabernáculo, presume-se que Nadabe e Abiú tivessem violado este preceito, e
entrassem à presença de Deus sob a ação do álcool, sofrendo a morte”.[3]
Harrison sumariza bem a história de Nadabe e Abiú quando diz:
Mal tinham terminado as cerimônias da consagração, e
os sacerdotes entrado nas suas funções sagradas, e um ato de sacrilégio foi
perpetrado pelos filhos mais velhos de Arão, Nadabe e Abiú. O capítulo 9 (de
Levítico) mostra a maneira segundo a qual o povo devia aproximar-se de Deus na
adoração, e as bênçãos e os benefícios que resultariam. O capítulo 10 torna
claro quão rapidamente a retribuição divina veio sobre aqueles que se recusaram
a seguir a orientação, e que insistiram, ao invés disto, em seguir um curso
independente. O que tão recentemente tinha sido um tempo de felicidade e
esplendor para a nação é estragado por uma tragédia desnecessária. A situação
ficou sendo ainda mais lastimável por causa da posição privilegiada que estes
dois homens tinham desfrutado quando, juntamente com Moisés, com o pai deles, Arão,
e setenta dos anciãos de Israel, tiveram licença de ver uma manifestação do
Deus de Israel no Monte Sinai (Êx 24.1,10). Os abusos que se permitiram foram
de natureza muito séria, visto que foram induzidos pela desobediência.[4]
Qual a mensagem central da história de Nadabe e Abiú? O que aprendemos
com o ato profano deles? O apóstolo Paulo, em sua carta aos romanos, diz que
tudo quanto outrora foi escrito para o nosso ensino foi escrito (Rm 15.4),
significando tanto as experiências positivas quanto as negativas dos homens e
mulheres da Bíblia. O mau exemplo de Nadabe e Abiú não pode ser seguido por
nós, posto que Deus exige a adoração aceitável com reverência e santo temor (Hb
12.29). Deus não quer ser adorado segundo a nossa imaginação, mas de acordo com
os princípios que ele mesmo estabeleceu em sua Palavra. Um verdadeiro adorador
é aquele que é buscado por Deus para adorá-lo em espírito e em verdade (Jo 4.
23,24), ou seja, como o Senhor quer.
No século XVII a Assembleia de Westminster sintetizou com precisão o que
é um culto segundo Deus:
A luz da natureza mostra que há um Deus, que tem
domínio e soberania sobre tudo, que é bom e faz bem a todos, e que, portanto,
deve ser temido, amado, louvado, invocado, crido e servido de todo o coração,
de toda a alma e de toda a força; mas, o modo aceitável de adorar o verdadeiro
Deus é instituído por ele mesmo, e é tão limitado pela sua própria vontade
revelada, que ele não pode ser adorado segundo as imaginações e invenções dos
homens, ou sugestões de Satanás, nem sob qualquer representação visível, ou de
qualquer outro modo não prescrito nas Santas Escrituras.[5]
Deus é o autor do culto. No Antigo Testamento ele atuou diretamente na
criação e organização do culto arquétipo (figura ou modelo do que se realiza no
Novo Testamento) de maneira final e efetiva: escolheu, projetou e determinou a
construção da arca e do templo, inclusive a indicação do material a ser usado;
elegeu sacerdotes oficiantes; prescreveu as vestimentas sacerdotais (até a
roupa debaixo deles!); selecionou os animais do sacrifício; marcou o lugar e
determinou a localização do templo; o tempo para as celebrações; o modo de
celebrar; a posição das pessoas no local sagrado.
No Novo Testamento (e até os nossos dias), Deus escolheu o culto pelo
qual o ser humano se achega liturgicamente a ele pela mediação de Cristo, o
realizador do pacto, o revelador do Pai, o autor da vida eterna, o doador do
Espírito Santo, o mediador do culto.[6]
[1] T. H. J., Nadabe.
In: O Novo Dicionário da Bíblia. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2003, p. 1092. A Bíblia de Estudo de Genebra sugere que
talvez Nadabe e Abiú tenham usado brasas de outro lugar que não o altar
(Lv16.12; cf. Êx 30.1-9).
[2] Ibidem.
[3] John D. Davis, Dicionário
da Bíblia. 10a ed. Rio de Janeiro: Juerp, 1984, p. 411.
[4] R. K. Harrison, Levítico:
Introdução e Comentário. Série Cultura Bíblica. São Paulo: Mundo
Cristão/Vida Nova, 1989, p. 99. Veja também o comentário interessante que
Harrison faz de Levítico 10.1,2 na referida obra.
[5] Confissão de Fé
de Westminster, XXI, i. Veja também Russel P. Shedd, Adoração Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 1987, p. 7-15.
[6] Cf. Onézio Figueiredo, Culto. São Paulo, 1990, p. 2. Obra não publicada.