Josivaldo de França Pereira
O sentido da palavra “saduceus” usualmente é visto como originado de
Zadoque, um sumo sacerdote dos tempos de Davi e Salomão. Assim, os saduceus
seriam os sacerdotes, descendentes ou adeptos de Zadoque. Na época do Novo
Testamento eles formavam um forte partido político-religioso (líderes no Templo
e Sinédrio) composto por quase exclusivamente dos elementos mais ricos da
população, incluindo sacerdotes, comerciantes e aristocratas. No livro de Atos
os saduceus são chamados de “seita” (At 5.17). Desse modo, "saduceus" designa um grupo, seita ou partido dentro do judaísmo palestiniano antes do século I e durante boa parte dele.[1]
O substantivo “saduceus” não existe no Antigo Testamento. Ele ocorre
catorze vezes no Novo Testamento, e apenas nos evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos
e Lucas) e no livro de Atos. Também não temos nenhuma ocorrência do termo no
singular. Sempre que são citados na Bíblia os indivíduos estão em grupo. Os
saduceus nunca são mencionados nas epístolas, sejam as de Paulo, do autor aos Hebreus,
Tiago, Pedro, Judas, João ou no Apocalipse. João, por sinal, não tem interesse algum em
citar os saduceus em seus escritos (Evangelho e demais livros).
A Bíblia sempre se refere aos saduceus de forma negativa. Na primeira
referência a eles no Evangelho de Mateus, é dito: “Vendo ele [João Batista],
porém, que muitos fariseus e saduceus vinham ao batismo, disse-lhes: Raça de
víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura?” (Mt 3.7). É que João
detectou o falso arrependimento e demagogia deles. O profeta estava
familiarizado com as víboras do deserto – astutas e enganosas. Não é Satanás
também chamado de serpente e enganador (Ap 12.9; 20.2,3)? Não
seriam eles seus instrumentos?
Mateus, Marcos e Lucas, cada um deles afirma uma única vez que os saduceus
dizem não haver ressurreição (Mt 22.23; Mc 12.18; Lc 20.27). Lucas, no livro de
Atos, igualmente observa que os saduceus declaram não haver ressurreição, acrescentando
ainda: “nem anjo, nem espírito” (At 23.8), isto é, acreditavam que tudo se acaba por aqui. O embate dos saduceus com Jesus gira
em torno da doutrina da ressurreição dos mortos, contudo, o Mestre não deixa
de tratar com eles a respeito de anjos e também de espíritos, visto que os saduceus negavam a imortalidade da alma:
23 Naquele dia, aproximaram-se dele alguns
saduceus, que dizem não haver ressurreição, e lhe perguntaram:
24 Mestre, Moisés disse: Se alguém morrer,
não tendo filhos, seu irmão casará com a viúva e suscitará descendência ao
falecido.
25 Ora, havia entre nós sete irmãos. O
primeiro, tendo casado, morreu e, não tendo descendência, deixou sua mulher a
seu irmão;
26 o mesmo sucedeu com o segundo, com o
terceiro, até ao sétimo;
27 depois de todos eles, morreu também a
mulher.
28 Portanto, na ressurreição, de qual dos
sete será ela esposa? Porque todos a desposaram.
29 Respondeu-lhes Jesus: Errais, não
conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus.
30 Porque, na ressurreição, nem casam, nem
se dão em casamento; são, porém, como os anjos no céu.
31 E, quanto à ressurreição dos mortos, não
tendes lido o que Deus vos declarou:
32 Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque
e o Deus de Jacó? Ele não é Deus de mortos, e sim de vivos.
33 Ouvindo isto, as multidões se
maravilhavam da sua doutrina.
(Mt 22.23-33; cf. Mc 12.18-27; Lc 20.27-40).
Geralmente os saduceus estão acompanhados dos fariseus no Novo
Testamento (cf. Mt 3.7; 16.1,6; At 23.6,7), motivo pelo qual João Batista e Jesus
chegaram a repreendê-los numa mesma sentença (Mt 3.7; 16.4,11,12). Todavia, em
Mateus 22.23-33 e paralelos eles estão sozinhos porque os fariseus não compactuavam com o
pensamento antirressurreição dos saduceus (cf. At 23.8).
Alguns saduceus se aproximaram de Jesus não com o intuito de aprenderem, mas
de tentá-lo (cf. Mt 16.1). Esta seita tinha o Pentateuco de Moisés (a lei
mosaica ou Torá) em maior valor que os demais livros do Antigo Testamento e,
por isso, eles citam a lei do matrimônio levirato
de Deuteronômio 25.5,6. Esse mandamento exigia que o cunhado mais próximo da
viúva se casasse com ela, caso o irmão dele tivesse morrido sem deixar filhos, a fim de que o primogênito do novo casamento fosse contado como
filho do morto e não se perdesse sua linhagem. Desobedecer a essa lei seria uma
ofensa grave (Dt 25.7-10; cf. Gn 38.8-10).[2]
Os saduceus aventam uma hipótese absurda para mostrar quão absurda é, do
ponto de vista deles, a crença na ressurreição do corpo. “Na ressurreição, de qual dos sete será ela
esposa? Porque todos a desposaram”, ironizam eles. Jesus assevera que os
saduceus erram por não conhecer as Escrituras e nem o poder de Deus. Erram em
relação às Escrituras porque
estas não se limitam apenas ao Pentateuco, e em relação ao poder de Deus porque este também é revelado nos cinco livros de Moisés.
Na ressurreição, ou seja, na vida futura, o matrimônio não será mais
necessário, pois os ressurretos serão como os anjos no céu (não se casam nem se dão em casamento); anjos que os
saduceus também negavam (cf. At 23.8), apesar de o Pentateuco ensinar a
existência deles (Gn 19.1,15; 28.12; 32.1). Embora os saduceus ridicularizassem
a doutrina da ressurreição, Jesus não se omitiu em continuar a instruí-los no
tema: “E, quanto à ressurreição dos
mortos, não tendes lido o que Deus vos declarou: Eu sou o Deus de Abraão, o
Deus de Isaque e o Deus de Jacó? Ele não é Deus de mortos, e sim de vivos” (cf.
Êx 3.6). Note a expressão “Eu sou” (não “Eu fui” ou “Eu era”) e o tríplice “o Deus de...”, mencionado separadamente em conexão com cada
um dos três patriarcas (Abraão, Isaque e Jacó) para enfatizar o relacionamento
pessoal de Deus com cada um deles. Posto que Deus não é Deus de mortos, e sim de vivos, conclui-se que Abraão,
Isaque e Jacó vivem e estão aguardando uma ressurreição gloriosa. [3]
Os saduceus, por negarem a doutrina da ressurreição dos mortos (em razão
da influência gnosticista grega), encarceraram os apóstolos por
estarem proclamando a ressurreição de Jesus como fato já realizado e como
garantia da ressurreição de outras pessoas (At 3.1-4.31).
O Sinédrio, o mais alto tribunal jurídico e religioso dos judeus, era
formado por fariseus e saduceus. Paulo está perante o Sinédrio para uma de suas
defesas. Por conhecer ambos os partidos e as diferenças
doutrinárias no Sinédrio, o apóstolo sabia que tinha de semear a discórdia entre os
fariseus e os saduceus. Paulo percebeu que se eles se unissem na acusação contra
ele de perturbar a pax romana, ele
perderia a proteção do comandante Lísias. Em resumo, Paulo estava lutando por
sua vida.
Sabendo Paulo que uma parte do
Sinédrio se compunha de saduceus e outra, de fariseus, exclamou: Varões,
irmãos, eu sou fariseu, filho de fariseus; no tocante à esperança e à
ressurreição dos mortos sou julgado.
Ditas estas palavras, levantou-se
grande dissensão entre fariseus e saduceus, e a multidão se dividiu.
Pois os saduceus declaram não haver
ressurreição, nem anjos, nem espírito; ao passo que os fariseus admitem todas
essas cousas.
Atos 23.6-8.
Com
a destruição de Jerusalém no ano 70 d.C., os saduceus deixaram de existir.
[1] Para outras sugestões do nome e origem dos saduceus,
consulte J. Julius Scott, Jr., Saduceus.
In: O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento. Vol. IV.
São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 327-29.
[2] Para uma aplicação interessante da lei do matrimônio
levirato, leia Rute 4.1-8.
[3] De acordo com Hebreus 11.19, Abraão cria com toda
certeza na possibilidade de uma ressurreição física.